Martha Sepúlveda, 51, finalmente conseguiu seu desejo.
A devota católica romana morreu por eutanásia na manhã de sábado em uma clínica em Medellín, Colômbia, na companhia de sua família.
Mas foi um longo caminho para a mulher que ganhou as manchetes quando pediu permissão para morrer por eutanásia sem um prognóstico terminal imediato – aqueles que deveriam viver por seis meses ou menos – argumentando que ela não queria esperar ainda mais dor e dificuldades da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), ou doença de Lou Gehrig, uma doença degenerativa e incurável.
“Deus não quer me ver sofrer”, disse Sepúlveda no outono passado em uma entrevista de televisão à rede colombiana Caracol que se tornou viral.
Mas a clínica que autorizou o procedimento em outubro passado cancelou a eutanásia no último minuto — apenas 36 horas antes.
Sepúlveda imediatamente reagiu nos tribunais, e os juízes concordaram com ela. “Obrigar uma pessoa a prolongar sua existência por tempo indeterminado, quando não quer e sofre aflições profundas equivale a um tratamento cruel e desumano”, afirmou o juiz em sua sentença.
Com base nessa decisão, Martha conseguiu escolher uma nova data e hora para sua morte digna e decidiu fazê-lo na manhã de sábado, 8 de janeiro.
“Martha saiu grata a todas as pessoas que a acompanharam e apoiaram, que rezaram por ela e tiveram palavras de amor e empatia durante esses meses difíceis”, disseram seus advogados, do Laboratório de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. em um comunicado.
Sepúlveda fez história no seu país mas também na região na defesa do direito a uma morte digna. Ela teve forte resistência da Igreja Católica. Seu caso transcendeu fronteiras por falar abertamente sobre seu desejo de morrer e a tranquilidade que tinha como católica fervorosa.
Os advogados de Sepúlveda esperam que seu caso abra um precedente. “Quem quer exercer e garantir seu direito de morrer com dignidade não deve ter medo de torná-lo público. Quem exerce seus direitos nunca deve se esconder”, disse Lucas Correa Montoya, da equipe do DescLAB, ao Noticias Telemundo.
Na sexta-feira, um dia antes da eutanásia de Sepúlveda, a Colômbia já havia dado um grande passo em direção ao direito a uma morte digna. Em uma clínica de Cali, Víctor Escobar, um transportador colombiano de 60 anos que sofria de vários problemas de saúde há 30 anos, foi eutanasiado. Foi o primeiro procedimento desse tipo naquele país e na América Latina para um paciente não terminal.
Um sorriso que reverberou em muitas telas
Antes de sua eutanásia programada em outubro passado ser abruptamente cancelada, Sepúlveda recebeu a notícia de que foi autorizada a se submeter ao procedimento com muita alegria e foi mostrada comemorando com seu filho nas câmeras de televisão com algumas cervejas na mão. “A melhor coisa que pode acontecer é descansar”, disse ela na época.
Sepúlveda sofria de dores intensas por sua doença incurável, que destrói progressivamente os neurônios motores, e não conseguia mais andar ou fazer higiene pessoal sem assistência. Alguns pacientes com ELA vivem meses ou décadas, mas a maioria vive de dois a cinco anos após o diagnóstico.
Sepúlveda não quis esperar por essa progressão e sofrimento e falou de um Deus como um “pai que não quer ver seus filhos sofrerem”. A Igreja Católica a convidou a refletir, e muitos a questionaram publicamente em um país onde grande parte da população é católica praticante.
Sua família, enfatizando o direito de cada pessoa de decidir e ter uma opinião independente, apoiou sua luta.
Iniciando um debate legal e médico
A Colômbia descriminalizou a eutanásia em 1997, tornando-se pioneira em todo o mundo no direito de morrer com dignidade, mas levou décadas para que as autoridades sanitárias instituíssem protocolos para regular o procedimento para quem tinha uma doença terminal.
Em julho do ano passado, o Tribunal Constitucional ampliou ainda mais o direito ao eliminar a exigência de doença terminal (diagnóstico de seis meses ou menos), pois “pode impor a continuação da vida em condições que a pessoa considere indignas ou humilhantes ” disse o tribunal, alegando que os indivíduos tinham o direito à autonomia.
Essa era a oportunidade que Martha estava esperando. Quatro dias após a decisão, ela solicitou a eutanásia, que foi concedida em 6 de agosto e marcada para outubro, antes que a clínica rescindisse o procedimento.
A negação da eutanásia por Martha desencadeou um intenso debate jurídico e médico em torno de seu caso e do direito de morrer no que parecia ser uma complexa rede de decisões judiciais e legais na Colômbia. Quem toma a decisão? Como é estabelecido que uma pessoa está gravemente doente?
Foi um debate que transcendeu fronteiras: em países como Chile, Uruguai e Argentina, já existem projetos de lei que buscam descriminalizar a eutanásia.
A 20ª Vara Cível do Circuito de Medellín resolveu a discussão respondendo ao recurso apresentado pelos advogados da mulher. “O juiz reconheceu que cabe a cada um julgar e definir que tipo de sofrimento considera indigno e incompatível com sua ideia de dignidade”, explicou Lucas Correa Montoya, advogado de Sepúlveda.
“Não cabe aos médicos ou à opinião pública, ou à igreja, determinar quem sofre mais ou quem sofre menos”, disse ele.
“A reafirmação dos meus direitos neste momento tão complexo da minha vida me enche de alegria e reafirma minha confiança na justiça”, disse Sepúlveda em uma carta publicada após a decisão do tribunal.
No fim de semana passado, sua luta prolongada terminou, em seus próprios termos.
Uma versão anterior desta história foi publicada originalmente em Notícias Telemundo.
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